#Artigo: Duas grandes tragédias, duas grandes vergonhas para o Brasil
Por Luiz Carlos Suíca*
Não podemos aceitar que o Brasil, em pleno século XXI, ainda não saiba tratar o meio ambiente e as nossas crianças com respeito e dignidade. E ao dizer isso, não quero culpar A ou B pelas tragédias do rompimento de barragem de rejeitos de ferro em Brumadinho (Minas Gerais) e do incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo (Rio de Janeiro). Quero alertar para os cuidados que devemos ter urgentemente, por mero respeito mesmo, ou por uma simples possibilidade de poder fazer o melhor para preservar as nossas maiores riquezas.
Foram ao menos 165 mortos em Brumadinho – ainda tem 160 desaparecidos e 138 desabrigados, ou seja, esse número pode subir, e deve subir, infelizmente. E foram 10 jovens jogadores de futebol que morreram no Rio. Perdas irreparáveis, dores jamais superadas e anseios que seguem em outros locais do país. As pessoas que moram perto de barragens de rejeitos ou de água estão com medo, amedrontadas por tantas notícias falsas nas redes sociais e por não acreditar mais na justiça deste país e nem nas instituições. Precisamos levantar e ajudar a mudar essa realidade, para que as instituições funcionem e punam quem de fato merece ser punido.
Falo isso por conta de Mariana, o desastre parecido com o de Brumadinho, e cometido pela mesma empresa, a Vale. Lá, 19 pessoas morreram. Isso nós precisamos dizer, sem receio. Nada foi feito desde a tragédia que também matou o Rio Doce, no mesmo estado de Minas Gerais. É vergonhoso para nós brasileiros, é uma falta de sensibilidade e de vontade política enorme. Desastres dessa magnitude é negligenciada pelas empresas por demandar cortes de custos, redução no orçamento de segurança e implementação no sistema de emergência. O prenúncio não foi reconhecido, não aprendemos com a tragédia em Mariana, não aprendemos nada!
A mineradora Vale é proprietária de outras 142 estruturas semelhantes à de Mariana e Brumadinho pelo país. O problema, segundo especialistas, é que as mineradoras escolhem e contratam os auditores e fornecem toda a documentação que analisam. Isso precisa ser melhor compreendido pela sociedade, o país tem leis ambientais frouxas, desajustadas e descuidadas ao ponto da própria empresa fazer o serviço de fiscalização. E isso não mudou nos três anos desde o desastre de Mariana. No mínimo, a estrutura regulatória do estado se tornou mais frouxa, uma vez que a queda nos preços das commodities internacionais levou empresas de mineração a cortar ainda mais custos.
Segundo publicações internacionais que se debruçaram sobre o assunto, como o The New York Times, em alguns casos as empresas mineradoras preenchem barragens além da capacidade, reduzem orçamentos de segurança e deixar de implementar sistemas de emergência. Tudo pelo lucro! Entendo a preocupação da Procuradoria-geral da República, quando Raquel Dodge anunciou uma força-tarefa para investigar a causa do desastre de Brumadinho, e entendo ainda mais os juízes que ordenaram que a Vale reserve R$ 11 bilhões, cerca de US$ 2,9 bilhões, para pagar os danos causados pelo colapso da barragem, mas são as mesmas ações determinadas no caso de Mariana e, até hoje, muito pouco foi cumprido pela Vale.
Dando sequência à essa mesma linha de raciocínio, “a Vale perdeu R$ 71 bilhões em valor de mercado após a tragédia de Brumadinho, isso no primeiro pregão da Bolsa brasileira após o rompimento da barragem e caiu de terceira para quinta empresa mais valiosa do país. Depois disso, a empresa propôs pagar R$ 300 mil para o cônjuge, companheiro ou companheira de cada vítima. Cada filho ou filha da vítima também receberia R$ 300 mil. O pai e a mãe receberiam, cada um, R$ 150 mil e cada irmão, R$ 75 mil”. Como se as vidas das pessoas tivessem preço, e ainda usa a palavra ‘doação’ para tentar não gerar tanta polêmica e fazer que as famílias não peçam indenizações.
O que devemos nos preocupar também é com a pluma de rejeitos de minérios que avança, sem trégua, pelo Rio Paraopeba. A preocupação de ambientalistas e moradores ribeirinhos é que, sem medidas efetivas para barrar os rejeitos de ferro, a lama tóxica chegue ao reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias, construída no leito do Rio São Francisco, com enorme potencial para provocar danos à pesca, ao turismo e à vida dos ribeirinhos. Isso pode fazer com o que os rejeitos atinjam a nossa Bahia.
Já sobre a tragédia do Centro de Treinamento do Flamengo, do incêndio no alojamento do clube, pasmem sobre a situação: não tinha um alvará de funcionamento, segundo informou a Prefeitura do Rio de Janeiro. Nem existe um Certificado de Aprovação (CA) do Corpo de Bombeiros, que não foi obtido pelo Flamengo. Apesar de estar sem licenciamento, o Ninho do Urubu seguiu em funcionamento e, por isso, a prefeitura aplicou 31 multas ao clube, das quais apenas 10 foram pagas, segundo a instituição.
O incêndio atingiu uma das partes mais antigas do centro de treinamento, que seria desativada até março deste ano. Esse local, provisório, possuía seis quartos, com cinco camas em cada. O alojamento abrigava jovens de 14 a 17 anos. Como não havia treino no dia da tragédia, os atletas que moravam no Rio de Janeiro estavam em suas casas, o que reduziu o número de vítimas. O Flamengo é o único a ter sua base na região em operação e 10 jovens perderam suas vidas.
Desde 1984, o clube é dono de uma área de 130 mil metros quadrados em Vargem Grande, onde tenta concluir as obras do centro. Por isso, o rubro-negro não precisou de doação de um terreno do município, mas enfrenta as mesmas dificuldades dos rivais. Por falta de dinheiro, as obras, orçadas em R$ 12 milhões, foram interrompidas em 2012, ano no qual deveriam ficar prontas, e retomadas apenas em julho deste ano, graças a recursos levantados junto a empresas, conforme publicou o jornal O Globo. Mas essa situação, infelizmente, se estende a outros clubes brasileiros, que também negligenciam suas bases. Tem muito dinheiro para contratar jogadores caros, mas não tem recurso para investir na infraestrutura e garantir segurança aos seus.
Acredito que faltam cuidados com o meio ambiente e com a juventude deste país. Isso é inaceitável e difícil de acreditar em uma época de desenvolvimento de tantas tecnologias. Aceitar essa situação é como se fossemos cúmplices, e não é nada confortável a falta de segurança, a incerteza jurídica e, principalmente, a perda de seu ente querido, do futuro profissional, das lutas e conquistas até aquele momento. Seja no rompimento da barragem em Brumadinho ou no incêndio no Ninho do Urubu, as interpretações dos acontecimentos são difíceis de compreender!
*Luiz Carlos Suíca é historiador, vereador de Salvador pelo PT e vice-líder da oposição