Consciência negra e cidadania
A democracia exige em uma de suas faces o respeito à opinião independente de seu teor, exceto quando há ofensa moral. Em tempos de divergências ideológicas, como se tem evidenciado na atualidade, as pessoas parecem sentir necessidade de criticar e opinar. O que poderia ser enriquecedor, desde que houvesse um aporte coerente que sustentasse tais questionamentos.
*Por Ricardo Alexandre da Silva Corrêa – Portal Geledés
Não é de hoje que parcela da população tem manifestado críticas quando o assunto se refere ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro. Essas críticas são construídas com indagações que vão desde a exclusividade dada aos negros, em detrimento a outros grupos étnicos, até o discurso de que o respeito não pode ser resumido num único dia. Porém, o esclarecimento dessas questões demanda uma revisão histórica acerca da constituição da população afrodescendente no Brasil, mas tenho dúvidas quanto à disposição dos críticos em efetuar tal esforço, já que as redes sociais parecem ser mais atrativas com seus sensacionalismos infundados, e infelizmente compartilhados em um curto espaço de tempo.
A história dos negros no país nos mostra o quão criminoso foi o aviltamento deles, pelo homem branco, no período que teve início por volta do século 16, quando os africanos foram covardemente arrancados de sua pátria e trazidos para o Brasil para servir de mão-de-obra escrava, tendo somente sua libertação no ano de 1888. No período da escravidão surgiu o Quilombo dos Palmares, local que abarcava os negros fugitivos do cativeiro, organizando-se assim numa comunidade sob a liderança do combativo Zumbi dos Palmares. Sem sombra de dúvidas, Zumbi foi o maior símbolo de resistência ao regime escravocrata e foi assassinado no mesmo dia da data comemorativa em questão.
Nesse contexto, cabe ressaltar que o Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão e que mesmo após 127 anos da libertação desses homens escravizados os efeitos da perversidade escravagista ainda persiste na sociedade. A população afrodescendente continua sendo tolhida de usufruir dos direitos sociais compartilhados por outros grupos. Daí que o geógrafo Milton Santos expõe brilhantemente em seu texto — Cidadanias Mutiladas (1996/1997) — a síntese da situação da população afrodescendente no país, denunciando a quase ausência de cidadãos no Brasil.
Esse ponto de vista do autor e confirma ao percebermos o cidadão como aquele que goza de direitos reconhecidos e respeitados universalmente, na qual o Estado deveria ser o provedor. No entanto, num país onde a maioria da população é descendente de africanos presenciamos a miséria, criminalidade, desemprego, preconceito, racismo, assolando esse grupo. Do mesmo modo é relevante mencionar que esses males tem uma forte contribuição daqueles críticos citados no início deste artigo e que nem se dão conta de que o reflexo da não inserção dos negros afeta a harmonia de toda sociedade.
Por fim, essa provocativa reflexão instiga a outros tipos de perguntas que estão na contramão das críticas não construtivas: Qual está sendo o papel de toda sociedade para que os afrodescendentes saiam da condição de não cidadãos e passem a fazer parte dela com paridade de direitos? Realmente, não é justo os negros serem sujeitos de uma data que promova coletivamente reflexões sobre a sua condição social decorrente da escravidão e também mobilize a sociedade a rever suas atitudes muitas vezes carregadas de preconceito racial?
Enfim, as considerações postas permite inferir que não seria nenhuma cortesia valorizarmos qualquer movimento que busque afirmar a identidade deste povo que ainda sofre no Brasil. Mas com certeza, obrigação.