Mulheres negras enfrentam discriminação, mas silêncio já não é resposta
O site do Sindilimp-BA apresentará no Mês da Consciência Negra uma série de matérias sobre nossas conquistas e discriminação, dentro e fora do mercado de trabalho
Os três séculos de escravidão no Brasil, que só teve fim por conta da brava resistência dos negros escravizados, deixou marcas profundas. Tão profundas que, apesar da posse do corpo ter acabado, a discriminação ainda persiste.
Formas de racismo que se expressam no genocídio silencioso da juventude negra e em formas de desigualdade que se somam. Na hierarquia de gênero, por exemplo, as mulheres negras são as que mais morrem e sofrem com a violência doméstica.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2013, a situação é preocupante: mais de 60% das mulheres assassinadas entre 2001 e 2009 eram negras. O Mapa da Violência 2015, divulgado nesta segunda-feira, 9, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), aponta também que em um ano, morreram 66,7% mais mulheres negras do que brancas no País, um avanço de 54% em 10 anos.
“A violência e racismo são duas variáveis que, quando combinadas, oferecem um ambiente explosivo para os segmentos mais vulneráveis”, afirma a professora da Universidade de São Paulo (USP), Rosane Borges. Segundo ela, as mulheres negras são vítimas ‘da pouca ou nenhuma assistência do por parte do Estado’. “Em situações como essa, a violência, em suas diferentes matizes, persiste como um mecanismo que aprisiona essas mulheres num ciclo vicioso, dinamizado pelas práticas racistas”, enfatiza.
É na luta contra o racismo e o sexismo que as mulheres negras mostram sua resistência por sofrer dupla discriminação: de raça e de gênero. Djamila Ribeiro, pesquisadora e feminista negra, lembra que as negras sempre foram estereotipadas como ‘mulheres quentes’ desde o período colonial. “Toda essa construção contribui para que mulheres negras sejam as mais violentadas, a violência é naturalizada”.
Outros institutos de pesquisa apontam a mesma realidade. De acordo com números divulgados no ‘Diagnóstico dos Homicídios no Brasil: Subsídios para o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios’, publicado em outubro deste ano, a taxa de assassinatos de mulheres negras é mais que o dobro de mulheres brancas.
O levantamento aponta que as jovens negras, na faixa etária de 15 a 29 anos, são as principais vítimas. O índice de mortes violentas é de 11,5 por 100 mil habitantes. Enquanto o de jovens brancas é 4,6.
De acordo com Djamila Ribeiro, pesquisadora e feminista negra, o avanço que teve no país para desmascarar que as mulheres negras são as maiores vítimas da violência, foi um trabalho das organizações do feminismo negro que pautou essas questões, que começam a ter algum impacto positivo. “Houve um trabalho importante porque elaboramos pesquisas e documentos e por ter colocado o tema na agenda política. É necessário pensar a partir das especificidades dessas mulheres, ter um olhar interseccional das opressões”, conclui.
Mulher negra, Rosana Fernandes relata que já passou por vários momentos de discriminação. Ela conta o caso mais recente, quando parou num posto de gasolina para abastecer o carro e pediu para o frentista dar uma olhada no veículo. “Na hora de cobrar o preço, ele não falou comigo, se dirigiu ao meu marido. Além de ser um fato racista, é machista porque na visão dele uma mulher e negra não é capaz de ser dona de um bem”, desabafa.
Racismo ainda persiste no trabalho
No mercado de trabalho, a população negra enfrenta dificuldades para conseguir emprego e, ainda, recebe salários menores. De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgado em 2013, os negros recebem, em média, 63,89% do salários dos não negros e se concentram em sua maioria no setor de serviços, sendo 56,1% dos trabalhadores no País.
O estudo mostra também que entre 2011 e 2012, 27,3% dos afro-brasileiros empregados não chegaram a concluir o ensino fundamental e só 11,8% contavam com o diploma de ensino superior. Entre os não negros, esse valor era de 17,8% e de 23,4%, respectivamente.
Na vida profissional, a história de Rosana se soma às várias narrativas de mulheres negras e homens negros. Ela lembra que entrou no mercado de trabalho em uma lanchonete. Por ser comunicativa, sempre quis ir para o balcão recepcionar os clientes, mas nunca conseguiu. “Era muito difícil, eu ficava sempre na cozinha e preparando os lanches. Depois, com o tempo, eu fui percebendo que era uma prática racista”.
Atualmente, Rosana é dirigente sindical e faz parte da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e admite que, mesmo no mundo sindical, já sofreu discriminação, porém, é um fato que vem mudando ao longo do tempo, afirma.
Para a secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Julia Nogueira, as mulheres negras lideram os postos mais precários de trabalho. “70% dos postos de trabalho precarizados são ocupados por negros. Ainda tem desigualdade entre negros e não negros, onde os negros recebem menos que os não negros. E quando se fala de mulher negra, é pior, porque sofre dupla discriminação”, diz a dirigente.